O Traumatismo Cranioencefálico (TCE) destaca-se em sua significância entre mortos e feridos, sendo uma das lesões mais frequentes. Os acidentes configuram um problema de saúde pública no Brasil levando a impactos significativos na morbidade e mortalidade da população.
O Traumatismo Cranioencefálico pode ser definido como qualquer agressão que acarreta lesão anatômica ou comprometimento funcional do couro cabeludo, crânio, meninges ou encéfalo. De forma geral, encontra-se dividido, segundo sua intensidade, em grave, moderado e leve. Os TCEs são considerados como processo dinâmico, já que as consequências de seu quadro patológico podem persistir e progredir com o passar do tempo. Várias literaturas corroboram que os adultos jovens e do sexo masculino predominam como vítimas de TCE, entretanto é importante destacar também um número importante de vitimas crianças sendo a principal causa de afasia na infância. Os idosos também encontram nas estatísticas das vítimas de TCEs, porém os adultos jovens predominam.
As principais causas dos TCEs são:
- Acidentes automobilísticos
- Atropelamentos
- Acidentes ciclístico ou motociclísticos
- Agressões físicas
- Quedas
- Lesões por arma de fogo
Uma triste realidade é que nos últimos dez anos, mais de um milhão de pessoas ficaram inválidas devido a traumas mecânicos no Brasil, sendo os acidentes de trânsito os principais responsáveis por essas taxas.
As vitimas que sobrevivem ao TCE podem apresentar deficiências e incapacidades que são temporárias ou permanentes, interferindo na capacidade do individuo de desempenhar suas funções. As incapacidades resultantes do TCE podem ser divididas em três categorias:
- Físicas: são diversificadas, podendo ser visuais, motoras, entre outras…
- Cognitivas: alteração de linguagem oral e/ou de leitura e escrita, diminuição da memória, dificuldade de aprendizagem, entre outras…
- Comportamentais/ emocionais: são a perda da autoconfiança, comportamento infantil, motivação diminuída, e mais comumente irritabilidade e agressão.
Devido ao enfoque do nosso blog vamos destacar no presente texto sobre a relação do TCE com as afasias. Os processos de produção da fala e da linguagem englobam atividades distintas do córtex cerebral. Assim, diferentes tipos de alteração no Sistema Nervoso Central (SNC) podem resultar em diversos tipos de distúrbios de linguagem e/ou fala. O Acidente Vascular Cerebral (AVC) e o TCE são as causas mais frequentes, na prática clínica, para os danos cerebrais. Como alterações de fala frequentemente encontradas podemos considerar as apraxias e disartrias.
TCE E AFASIA INFANTIL
Crianças que estão se desenvolvendo normalmente podem perder habilidades de linguagem, devido a dano cerebral. Este distúrbio de linguagem adquirido é conhecido como afasia infantil. A afasia, em crianças, é mais frequentemente causada por um dano cerebral traumático, mas pode também ser causada por um derrame, doença infecciosa, tumor e convulsões. Semelhante à afasia em adultos tipicamente as crianças adquirem déficit de linguagem após danos ao hemisfério esquerdo. (ARAM apud BOONE; PLANTE, 1994, p. 206). Segundo as autores Boone e Plante (1994), na infância, as crianças podem desenvolver afasia desenvolvimental, que ocorre quando a criança ainda não adquiriu uma capacidade linguística, mas por um motivo externo perde a capacidade de desenvolver essa competência. Ou ainda, a afasia adquirida, quando a criança já dominava uma determinada competência linguística e devido a um fator externo perde essa capacidade. A grande diferença entre a afasia infantil e no adulto é que nesta não existem afasias desenvolvimentais, como há em crianças.
TCE E AFASIA NO ADULTO
Quanto à relação dos distúrbios de linguagem nos TCEs a literatura apresenta alguma discordância entre à associação da deficiência de linguagem com o traumatismo craniano. Enquanto muitos autores classificam o déficit de linguagem no TCE como AFASIA, outros acreditam que a deficiência de linguagem associada é decorrente do empobrecimento da memória (amnésia pós traumática) ou da confusão. Alguns pesquisadores desenvolveram termos como afasia subclínica e nomeação errônea não afásica para descrever sintomas apresentados por pacientes de traumatismo craniano, mas não observado nas síndromes clássicas de afasia. Outra diferença importante entre afásicos pós AVC e TCE é quanto à linguagem pragmática.
De um modo geral, as características das manifestações linguísticas nas afasias decorrentes de TCEs podem ser parecidas com as lesões vasculares. Abaixo serão destacadas algumas delas:
- Déficit na compreensão auditiva e na expressão oral
- Anomia
- Parafasias
- Circunlóquios
- Formas graves de distúrbios de linguagem como afasia global também são evidenciados nos estudos
AFASIA SUBCLÍNICA
Os déficits de linguagem subsequente ao TCE foram classificados como afasia subclínica. Por definição segundo Sarno (1984) os afásicos pós TCE apresentam déficits de processamento linguísticos na testagem, na ausência de manifestações de deficiência de linguagem. Para descrever os problemas de linguagem dos pacientes vítimas de traumatismo craniano, na maioria dos casos existem algumas diferenças dos distúrbios de linguagem decorrentes dos distúrbios da afasia associadas a lesões vasculares. É importante destacarmos três características bastante peculiares dos TCEs que diferenciam das doenças cerebrovasculares como os AVCs.
Característica 1
A primeira distinção se baseia em que, embora a afasiologia tenha surgido a partir dos efeitos que os ferimentos abertos, causados por penetração de fragmentos durante a guerra tiveram sobre a linguagem, os ferimentos fechados são os tipos mais comuns de trauma craniano na vida civil. O ferimento fechado geralmente causa lesões cerebrais difusas e não focais, como já foi constatado em muitos casos com AVC. Segundo Holland, (1982) consequentemente, é mais provável que os distúrbios de linguagem encontrados em casos de ferimento fechado sejam o resultado de déficits cognitivos e de memórias mais gerais e mais pervasivos. Então os déficits de linguagem em pacientes com ferimento fechado pode ser substituídos por outros déficits cognitivos e de memória que devem ser levados em conta no tratamento destes casos.
Característica 2
A manifestação da linguagem explica-se pelo fato de que devido a várias sequelas cognitivas e de memória, a reabilitação nos casos de ferimento fechado é bastante interdisciplinar.
Característica 3
Holland (1982) ressaltou uma diferença demográfica importante entre as populações com AVC e TCE sendo a ocorrência do TCE mais alta no grupo de 15 a 24 anos, enquanto o AVC é mais comum na meia idade. A média de idade mais baixa dos pacientes de traumatismos comparados aos pacientes com AVC, estaria associada a melhor prognose para recuperação da função de linguagem.
MEMÓRIA AMNÉSICA
Embora muitos pesquisadores tenham descrito os sintomas de afasia em pacientes que sofreram ferimento fechado, outros questionaram a validade de classificar como afasia todos estes distúrbios secundários. Autores como Russell e Smith (1961) relataram que os déficits iniciais de linguagem que se seguem ao traumatismo craniano são consistentes com amnésia pós traumática, inferindo que estas deficiências de linguagem resultam em deficiências de memória.
LINGUAGEM CONFUSA
A linguagem subsequente ao traumatismo também tem sido descrita como “confusa”, um termo que abrange lacunas de memória recente, argumentação imprópria, comportamento inadequado, escassez de entendimento do ambiente e desorientação. Darley, (1982) definiu a linguagem confusa como deficiência de linguagem que acompanha condições neurológicas, geralmente traumaticamente induzida, caracterizada por redução do reconhecimento, da compreensão e da responsividade ao ambiente, lacunas de memória, pensamento turvo e desorientação no tempo e no espaço. A estrutura de linguagem é normal a estrutura da sintaxe é correta, mas as situações de discurso livre deduzem que existe irrelevância e confabulação. Segundo o autor é esse padrão de alto grau de irrelevância do conteúdo, conjurado a fluência e à sintaxe paradoxalmente adequadas que diferencia o desempenho de linguagem dos pacientes confusos daqueles afásicos.
LINGUAGEM PRAGMÁTICA NO TCE
Acredita-se que o contraste mais vivido entre a afasia pós AVC e a comunicação pós TCE se dá na área pragmática da linguagem. A linguagem afásica pode ser considerada um distúrbio de forma, enquanto a linguagem pós traumática pode ser definida como um distúrbio de uso. Em um estudo (Milton, Prutting e Binder, 1984) da linguagem pragmática de pacientes pós TCE pôde-se observar dez comportamentos pragmáticos inadequados ocorridos com maior freqüência. Foram estes relativos a:
- Prosódia
- Afeto
- Seleção de tópicos
- Manutenção de tópicos
- Revezamento para começar
- Revezamento para fazer pausas
- Revezamento de contigência
- Quantidade/concisão
- Fluência
Referências Bibliográficas
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- Francielle Aparecida Krieger Ferreira, Katia Socha. Compreensão e Encaminhamentos da Afasia pelo Profissional Docente